domingo, 17 de julho de 2011

28 minutos


Por João Vítor Madureira

Ele fechou os olhos e adormeceu. A última coisa de que lembrava era do relógio em cima do criado-mudo, que marcava 13h17. Incrível como alguns minutos podem parecer uma eternidade ao sabor do sono, perdemos aos poucos os sentidos, tudo que nos cerca passa a ter menos importância e esvaindo-se como a fumaça de um cigarro aceso, nós caímos em completo silêncio, até acordar.

E foi assim que aconteceu. Desorientado e molhado ficou deitado por alguns instantes até compreender que o vai e vem que sentia em seu corpo eram as ondas de um mar sereno. Levantou-se e contemplou o lugar em que acordara: uma praia, uma enseada pedregosa acompanhada de um paredão rochoso por toda sua extensão, um lugar calmo e silencioso. Caminhava pela orla e a chuva fina e ininterrupta que caía o fez perceber que o céu daquele lugar não era mais o mesmo em que estava antes. Escurecido em tons de vermelho, suas nuvens eram como algodão levemente ensaguentado, sombrio. Embora fosse um lugar que aos demais pudesse parecer assustador, de certa forma ele sabia que ali estava seguro. Os relâmpagos que ofuscavam a sua visão o intrigavam, pois nenhum som ecoava do que parecia uma tempestade às alturas – onde estava o trovão? Distante talvez... – apenas o som do mar.

Não tão ao longe avistou casas construídas sobre a água, confeccionadas em madeira, lembravam palafitas, exceto pela organização e higiene altamente superior. Subiu em uma das pontes que ligava a praia às casas, não tinham portas, apenas aberturas laterais que davam visão ao seu interior. Observando mais atentamente, constatara que ali viviam pessoas, mulheres e crianças, homens e velhos, das mais diversas etnias, negros, brancos, asiáticos, indianos, apáticos, estáticos, nus, silenciosos, todos. Ficou confuso, eram escravos? Não saberia responder. As paredes escurecidas aparentavam ser feitas do couro de algum animal que certamente não vivia naquela praia. Os pedaços costurados às toras de madeira que constituíam a estrutura das casas amarrados por cordas, era tudo muito rústico.

Andou por horas e por mais que o fizesse a praia não parecia ter fim, assim como as casas, e as pessoas, e a sua dúvida: o que era aquilo tudo? Avistou uma casa diferente dessa vez, maior e com uma porta sentiu-se convidado a entrar. Escura e vazia, uma sala ampla com apenas um homem sentado ao fundo em uma cadeira de bambu, gargalhava sem parar, mas nenhum som saia de sua boca, resolveu perguntá-lo o que era aquilo tudo, mas também nada saia de sua boca, um silêncio sepulcral, exceto o som do mar.

A dúvida precedia o medo de um lugar desconhecido e misterioso que previamente lhe parecera seguro, o desespero de não saber o que estava acontecendo tomou conta do rapaz.  Luzes se acendiam aleatoriamente e a cada clarão surgia uma interminável fila daquelas pessoas antes vistas. Elas arrancavam suas peles, gestos vorazes e expressões apáticas deixavam a cena confusa. Uma a uma elas foram tirando suas peles, uma a uma elas foram sumindo. O homem sentado gargalhava freneticamente e o montante de peles crescia indefinidamente junto ao medo do desconhecido. Assustado, o som do mar é substituído por um barulho estridente. Leva as mãos aos ouvidos e a vertigem o derruba de joelhos como quem se entrega depois de uma batalha perdida, tudo escurece e é tragado por algo que nem ao menos se sente. Ele abre os olhos e não está mais molhado, tampouco em um lugar desconhecido, está deitado em sua cama e o despertador soando ao seu lado. O desliga. Se sente estranho, reconhece tudo que vê, mas nada daquilo lhe parece real. São 13h45, é hora de trabalhar.

A noite chegou e mesmo após tomar um banho e relaxar, beber uma xícara de café e deitar-se na cama, não para de pensar o que esteve em sua mente o dia todo, será que ao se entregar ao sono fora transportado para um lugar diferente? Será que aquilo foi real?
...

Ele fechou os olhos e adormeceu. A última coisa de que lembrava era do relógio em cima do criado-mudo, que marcava 23h17. Incrível como alguns minutos podem parecer uma eternidade ao sabor do sono, perdemos aos poucos os sentidos, tudo que nos cerca passa a ter menos importância e esvaindo-se como a fumaça de um cigarro aceso, nós caímos em completo silêncio, até acordar.



8 comentários:

  1. Adilma, mãe orgulhosa17 de julho de 2011 às 12:01

    Primeiro texto (um tanto surrealista) escrito por meu filho e postado no blog da nossa família. Eu gostei bastante, mas como sou "suspeita", no que diz respeito a opinião favorável, espero que vocês apreciem também.

    Bj a todos e um bom domingo!

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  2. Um lindo e incrível texto - um tanto surrealista como diz adilma - escrito por mais um talento na família. Parabéns João, ótima leitura. abraço.

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  3. Já gostei, mas, vou ter que ler novamente para melhor entender (é a idade).
    E Tio Adelmar deve estar orgulhoso como a ZORRA !

    Valeu Jão !!!

    E o nível do SOPA tá crescendo. ahahahahah

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  4. Esse menino e' "brain" como a mae e o pai!!! Ja vou pedindo um autografo para o Joao antes que eles se torne muito famoso. Depois de famoso posso vender o autografo no E-bay e pegar uma fortuna hahahahh
    belissimo.
    abracao

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  5. Quando ele escolheu o curso de Letras o pai e eu ficamos meio aturdidos. Pais querem filhos fazendo medicina, direito, engenharia... Coisas que ainda acontecem. Ele passou em direito, numa boa faculdade particular, mas me falou que não queria o curso.

    Minha tia me disse que "deixasse ele seguir a carreira que escolhesse". Resolvi ficar tranquila. O resultado foi passar nos primeiros lugares da UFBA, é claro que fiquei feliz e orgulhosa.

    Em pouco tempo (um semestre) percebi que é o que ele realmente deseja. João amadureceu e aprendeu muito nesses meses de uma forma impressionante.

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  6. Parabéns João!!! (E cá pra nós né Adilma, ele tem beeem a quem puxar... hahaha) E os talentos vão aparecendo. Cada dia me sinto mais orgulhosa de pertencer a esta família!

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  7. E eu aqui também muito orgulhosa do meu menino.
    Já disse a Adilma, que João ainda vai surpreender muitoooooooo. Tá no sangue, é de família.
    "Os netos, são a sobremesa da vida"
    Beijos!

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