sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"Tchia" Angelica: uma pequena biografia não autorizada


Minha mãe parecia adivinhar as coisas e, apesar dela ter morrido quando eu estava no início da minha adolescência, lembro-me perfeitamente das várias vezes que ela exigia que nós (eu e meus irmãos) tivéssemos respeito com minha tia. Minha mãe falava que se qualquer coisa acontecesse a ela, era nossa tia que iria tomar conta de nós. Isso me deixava muito pensativa, ficava sem entender.

E a previsão de minha mãe se confirmou quando ela faleceu deixando quatro crianças respectivamente com as idades de 13 (eu), 9 (Ubira), 7 (Bia) e 3 (Geu). Minha tia ainda muito jovem.

Geu ficou muito abalado. A tristeza no olhar dele era imensa. Apesar de não entender o que estava acontecendo, ele sentia muita falta de nossa mãe. A partir desse dia praticamente todas as tardes, por volta das 17h, ele ficava na calçada, encostado na parede, olhando fixamente para a rua. Um dia perguntaram o que estava fazendo e ele respondeu: “esperando mainha voltar”. Minha tia resolveu deixar o trabalho, pois não era possível conciliar emprego e quatro crianças.

Em virtude dos problemas de saúde que Geu começou a apresentar ela o levava constantemente ao médico. Um dia, após examiná-lo, o pediatra pegou o receituário e prescreveu o medicamento. Na receita estava escrito e sublinhado o remédio sem o qual certamente Geu não sobreviveria: AMOR. E desse modo essa mulher jovem, solteira, sem filhos, deixou de estudar e trabalhar. Largou tudo para se dedicar a nós.

Aos poucos muitas mudanças foram acontecendo. Meu pai, que era muito severo e nos castigava quando fazíamos qualquer bobagem comum às crianças, se viu obrigado a mudar de postura, muitas vezes visivelmente contrariado. Isto porque ela o enfrentava em nossa defesa, o que não era nada fácil. Quantas vezes minha tia saia escondido dele para resolver problemas em escola? Ubira e eu aprontávamos. Ela ia à escola, ouvia as reclamações, assinava o boletim, conseguia reverter a situação, e depois éramos chamados para a bronca e o castigo. Não pensem que ela deixava passar em branco. Não deixava mesmo. Mas o castigo passava distante das surras.

Sei que ela muito se sacrificou em prol de todos nós. À medida que fomos crescendo, outros problemas chegaram: piora da doença de minha avó, que perdurou até sua morte e depois disso a doença e morte de meu pai. No meio tempo, formaturas, casamentos dos sobrinhos, nascimento da nova geração, doenças das crianças (em que ela sempre estava presente, ajudando), os divórcios, novas uniões, separações, problemas, alegrias, tristezas, surpresas, etc. A vida sendo tecida diariamente e deixando suas marcas naturais. Enfim, D. Angelica segurou todas as dificuldades, sempre com uma palavra de conforto e um “puxão de orelha” quando necessário. Esteve e está presente em todos os momentos. Somos adultos e ela continua a se preocupar como se ainda fôssemos aquelas crianças que há muito já se foram.

Ela é nosso porto seguro. Está sempre disposta a ajudar (e muito), aconselhar, presentear, encher de mimos, tratar os sobrinhos netos como netos de verdade que afinal de contas são, apesar de todos a tratarem como “tchia”.

Só agora (finalmente) ela está tendo tempo para cuidar de si, sem horários predefinidos, sem obrigações, com liberdade. Nanda, João, Isadora, Laura... Por perto mais nenhuma criança. É a roda de vida girando e trazendo mudanças e mais mudanças.

Tenho certeza que eu não faria o que ela fez por nós. Eu não conseguiria. Foi muito sacrifício. Deus nos tirou uma mãe deixando outra já treinada. Quando somos crianças não entendemos isso. Só o tempo nos faz perceber.

Essa viagem para Maceió, terra que ela tanto gosta, está sendo um maravilhoso presente fruto do encontro dos irmãos em setembro. Quero tornar público também o meu agradecimento a todos vocês – só vou citar um nome (do anfitrião) para não ser ingrata com aquele que porventura não mencionar. Obrigada a todos por tê-la recebido tão carinhosamente. Paulo, meu primo irmão... Não tenho palavras...

Minha tia: que Deus lhe dê muitos e muitos anos de vida, saúde, muitas alegrias, muita paz de espírito e tranquilidade. Que a Virgem Maria abençoe cada minuto de sua existência, lhe protegendo com seu manto de Amor. Jamais teremos como agradecer tudo o que fez e faz por nós. Amamos você do fundo do nosso coração. E é por isso que enchemos sua paciência (sempre) de vez em quando. E me perdoe pelas minhas peraltices infantis.

Antes que me esqueça, o título é "uma pequena biografia não autorizada" porque ela só saberá que escrevi quando ler.


Adilma

13 comentários:

  1. Olá pessoal ... pois é ... a vida segue. Espero que ela possa curtir bastante um tempo em Maceió.
    Aproveite muito !!! Abraços,

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  2. Eu também não sei como agradecer por tudo que a nossa Tia fez ( e faz ) por todos nós. Muito obrigado!!!!
    Paulo, obrigado pela presença com ela ( ir ao aeroporto e hospedá-la no seu apê). Um beijo minha Tchia ( como os alagoanos acham que a gente, baianos, falam).

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  3. Chorei lendo seu relato, Adilma.
    Lembrei do dia em que meu pai faleceu. Estava em casa com minha irmã Rita, quando chegou a ligação avisando da morte do mesmo. Rita começou a chorar e disse que pai tinha sofrido um acidente, mas a coisa era bem pior. Lembrando disso... as lágrimas cairam.
    Angélica é gente da melhor qualidade, como você e seus irmãos.
    Me orgulho muito da família que tenho.
    Um grande abraço!!

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  4. Aíí eh lasca Adilma! To chorando em pleno consultório médico (to com notebook que eles oferecem pra compensar a looonga espera, e olhe que é particular! ggggrrr)

    Eu me lembro bem que todas as vezes que chegava e ia embora da casa de Tio Adelmar eu chorava discretamente, sem que ninguém percebesse. Chorava ao chegar pq AMAVA estar na presença deles dois e era tão bem recebida, com tanto amor e afago, e chorava ao sair pq odeio despedida, deixa-me muito nostálgica.

    Enfim, não dá pra descrever o orgulho que tenho em ter uma família tão decente, integra. É com uma história como a de Tia Angélica que digo com orgulho que sou uma Gomes & Sandes de Sá

    Parabéns pelo texto Adilma, pra variar, tá brilhante!

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  5. Ficar com os olhos lacrimejantes em pleno trabalho é viadagem, mas, fazer o quê ?
    Parabéns Adilma, parabéns Tchia Angélica,
    VOCÊ não é FRACA NÃO !!!

    E Parabéns a todos os 4 (quatro) ´IRMÕES que sabem reconhecer o valor da Tchia.

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  6. Adilma,
    estou emocionada com o seu relato. Vou repetir o que sempre digo a vocês: Se o tempo voltasse, eu faria tudo de novo. Só queria ter a experiência que tenho hoje, para ter feito melhor. Jamais em momento algum eu me arrependi, por ter feito o que fiz.
    Sempre, estou a agradecer e abençoar a minha querida irmã por ter me dado vocês, que eu amo tanto como se tivesse saído das minhas entranhas.
    Agora mesmo, no auge ma minha emoção, parece que meu coração vai estourar de tanto amor, ternura e carinho, não só por vocês, mas também por Fernanda, Laura, João e Isadora.
    Parodiando o Apóstolo Paulo de Tarso, digo:
    "Se eu não tivesse AMOR, nada seria e nada faria!"
    Tudo o que fiz por vocês, foi só por vocês.
    Agradeço a Deus todos os dias por vocês existirem em minha vida.
    Eu amo minha família.
    Obrigada Adilma pela biografia. Você me fez chorar sua danada!
    E onde eu estou, com quem estou; ( com meus sobrinhos alagoanos e amigos) cercada de tantos mimos, carinho e atenção, é proibido chorar. A não ser que falte cerveja em Maceió e na geladeira de Paulo. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK.

    E Viva a vida, que viver é bom demais!

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  7. Adilma,
    Parabéns pelo texto!!!
    Não vejo a hora de te conhecer pessoalmente.bjo

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  8. Estou sem palavras... Não esperava essa reação de vocês.

    Tia: você merece mais que isso.

    Fernando: obrigada pelo carinho.

    Bj a todos.

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  9. Adilma, só uma correção: é TChia e não Thia, pois tem que falar chiando...
    ahahahaha

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  10. Adilma parabens de coracao pelo belo texto a respeito da unique TCHIA Angelica. Tenho certeza que voce poderia ter escrito muito mais, entretanto ao final da bibliografia voce sempre iria chegar a mesma conclusao: (se e' que existe uma conclusao!) Angelica "is simply the best"!!! Temos muita sorte de termos alguem tao preciosa na nossa familia.
    Um otimo domingo para todos e que Angelica esqueca um pouco do lado angelical enquanto em Maceio e tome todas! hahahahaha

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  11. É isso aí, Tchia Angelica é a melhor! Espero conseguir ve-la esse FDS que durante a semana é sem chance.

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  12. Paulo, Kokada Alagoana

    Consertei a palavra. Realmente falamos "tchia", "leichte", etc... Rsrsrsrss

    Obrigada!!!

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  13. Esta é minha primeira contribuição/comentário e está difícil escrever ... A "pequena biografria" é mesmo diminuta para traduzir todo nosso agradecimento e ao mesmo tempo imensa em emoção que não deixa imune nenhum que lê. Adilma parabéns pela iniciativa que traduz o sentimento de todos nós. Paulo e todos os queridos primos e amigos de Macéio, obrigado pela sempre calorosa recepção e tratamento a nossa amada Tia.
    Tia, aproveite o máximo! Curta estes dias. Fica meu compromisso de breve estar por aí para uma atualização.
    Ubiratan

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