quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O colégio fossilizado


Colégio Estadual Alípio Franca (CEAF) - Salvador, Bahia


Fernando é mediador na escola. Que tempo estamos vivendo afinal? Eu realmente não entendo o que está ocorrendo.

Sempre estudei em escolas públicas. No Colégio Alípio Franca, da 5ª à 8ª série, tive aulas de inglês, francês, artes, educação sexual, música, religião, desenho técnico, handebol, educação física, organização social e política. Fora as disciplinas do currículo normal – português, matemática, geografia, história, etc. O colégio é pequeno e não oferecia (ou não oferece) conforto. Toda sexta a bandeira do Brasil era hasteada, enquanto cantávamos o Hino Nacional. Era uma honra ser escolhido para hastear a bandeira.

Formávamos uma fila, antes dessa cerimônia, e éramos vistoriados. Unhas, cabelos, farda, sapato, tudo deveria estar limpo e em ordem. Se alguém estivesse com a farda suja ficava na diretoria até encerrarmos. E levava para casa uma notificação na caderneta que deveria voltar assinada pelo pai, mãe ou responsável. O líder da classe era encarregado de recolher as cadernetas diariamente para aposição do carimbo de PRESENTE. Fui líder nos 4 anos e adorava exercer minhas funções. Havia regras a serem seguidas e eu costumava subvertê-las.

Nesse tempo professores eram chamados de senhor e senhora, nada de tia, ou “você”. Se alguém alterasse a voz com um professor era suspenso e só entrava na escola, após o período da suspensão, acompanhado pelo responsável. Tinha um médico que toda sexta (dia de aula de educação sexual) estava disponível para tirar dúvidas e orientar.

O governo não disponibilizava livros, os pais tinha que comprar, os alunos tinham que usar farda completa, não entravam se faltasse o escudo na blusa, não havia meia passagem escolar. Eu pegava quatro ônibus para ir e vir. Tempos difíceis. A merenda era servida pelo governo. Geralmente leite com chocolate acompanhado por um sanduiche muito ruim - pão com margarina e ameixa seca.

Fundei um jornalzinho (não me lembro do nome) e a escola me deixava usar a máquina elétrica de escrever, depois que comprovei que sabia utilizar, mas era minha responsabilidade se houvesse qualquer problema. Eu fazia as matérias, datilografava num estêncil (os jovens nem devem saber o que é isso!) e passava no mimeografo (outra coisa do passado distante). Os exemplares eram distribuídos entre alunos e professores. Depois alguns colegas começaram a participar, escrevendo poesias e textos. Eu também gostava de promover festinhas na sala de aula em ocasiões como São João, Dia do Estudante, etc. Cantava no coral e me apresentei em alguns eventos na Igreja do Bonfim, assim como na escola. Adorava participar de tudo.

Havia brigas entre os estudantes, havia aqueles que não estudavam, havia quem usava drogas, mas nada que não se resolvesse com uma boa suspensão. Eu não era fácil. Filava (gazeava) aula para jogar bola, para namorar escondido, para assistir filmes impróprios (hoje mais inocentes que as novelas das 6h), para escutar música. Inclusive numa dessas fui pega por minha tia e a coisa não prestou! Mas, de modo geral, fui boa aluna, tirava boas notas, nunca fiquei em recuperação. E com isso angariava a simpatia dos professores.

Lembro-me que um dia um aluno foi flagrado com um canivete na pasta (não existia mochila) e por causa disso foi expulso. Sem ter uma segunda chance. E todos ficaram sabendo. Foi vergonhoso, desonroso. Ninguém queria aquilo para si.

Com saudosismo lembro-me de tudo isso. É como se fosse outra vida, como se muitos e muitos anos me separassem dessa realidade para a que vivemos atualmente. Como se fosse uma fantasia, como se não fosse verdade, como se fosse um mundo idealizado, fossilizado, perdido.

Eu gostaria muito de entender o que se passou nos últimos 30, 40 anos, principalmente nas escolas. Que mudança a sociedade sofreu a ponto de professores serem feridos, estudantes serem mortos em brigas entre si, tráfico de drogas e tudo o que sabemos que ocorre. O Estado avançou muito em assistencialismo ao estudante. No Brasil, na rede pública de ensino, são distribuídos livros, fardas foram abolidas, não se reprova estudante, há liberdade de expressão, há subsídio para o transporte, não existem mais disciplinas “caretas”, não se canta o Hino Nacional e muito menos o Hino à Bandeira, ou seja lá qual for. E tudo isso invés de ajudar, parece ter piorado o relacionamento na escola.

Adoro o progresso, o conhecimento, as facilidades que dispomos mais e mais. Tenho certeza que o homem um dia, no futuro, ainda vai viajar através de tele transporte, como nos filmes de ficção científica. Porém, acho que estou envelhecendo ou já envelheci. Sou de outra época mesmo. Tempo em que tudo era diferente e, parece-me, mais coerente. Espero que Deus tenha mesmo piedade de todos nós.


Adilma

7 comentários:

  1. Adilma,
    Não sei como funciona a educação no seu estado, aqui em São Paulo, existe um projeto chamado progressão continuada ou seja o aluno não repete de ano é só frequentar a escola, pois os professores são obrigados a passar os alunos de ano, mesmo sem saber nada. Temos muitos casos de alunos de 8ª série que não sabe lê nem escrever. Na escola onde trabalho existe muitos alunos carentes, quando dou aula de educação física, muitos dos alunos tira o tênis, pois só tem aquele e não pode estragar, caso contrário não tem outro pra calçar.

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  2. Fernando,

    Aqui em Salvador é a mesma coisa. Alunos analfabetos funcionais, professores que não podem reprovar. É lei. Já tive grupos de estagiários, alunos de faculdades, que mau sabem escrever.

    Quando eu estudava no CEAF era a mesma coisa! Em termos de dificuldades. Eu mesma só tinha um par de quichute. E tinha que dar para o ano inteiro. Se furasse, e isso acontecia, continuava assim. Paciência. Eu passava pasta de sapato no quichute, para ficar preto, isso porque ia desbotando à medida que lavava.

    Mas havia outro senso de responsabilidade, outro modo de educar, respeito, não sei. Era diferente. Dificuldade sempre houve, mas isso não era impecilho, nem servia de motivo para agressões. Compreende? É onde quero chegar. Algo mudou no comportamento das pessoas. E foi para pior!

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  3. Fico extremamente triste por não ter vivido intensamente isso. Queria ter estudado todas essas matérias, queria ter feito todas essas coisas, na escola sempre fui líder tb, adorava participar de tudo. Eu ainda consigui pegar um pouco disso... Hasteava a bandeira toda sexta-feira e adorava... eu amava feira de ciências, esporte, abertura dos jogos... Amava. E isso foi se perdendo durante um tempo, uma grande pena!! Eram outros tempos, e mesmo que pego no final, eu amava. Queria ter vivido em outros tempos tb, anos 60 e 70... Mas nasci em outra época e sou feliz nela. Adorei o post!!

    Beijos
    Matheus.

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  4. Matheus,

    Eu me considero uma pessoa contemporânea, você me conhece e sabe que não sou careta, antiquada, pelo contrário. Acho que a minha formação, muito influenciada por meu pai, forjou em mim um caráter e algumas características que parecem estar fora de moda. Sei lá!

    Acho que é preciso existir limite, regras (mesmo que o jovem lute contra, como eu fiz e ainda faço)é necessário respeito e consideração. Ao longo do tempo muitos valores vão se perdendo, sentimentos nacionalistas, por exemplo, amor ao nosso país, às nossas raízes, dar a palavra e cumprir.

    Assim vemos pessoas alienadas, desrespeitosas, agressivas, tontas. E, o que é pior, sem educação. Nem doméstica nem escolar.

    Bj grande meu lindo! (você está um GATO, ai meus 20 anos... Que saudade! Rsrsrsrsrsrsr)

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  5. Essa história de hoje em dia passar o aluno mesmo que ele não tenha tirado as notas certas, é revoltante.Em fui reprovado duas vezes em Matemática por causa de 1,e depois meio ponto, era muito orgulhoso pra pedir arrêgo a qualquer professor. Gisele mesmo quer mudar de profissão porque não suporta ter que passar aluno despreparado, pois a escola quer que passe o aluno de qualquer maneira, e isso não está correto, sem falar que os alunos não respeitam o professor como antigamente.
    Teve um aluno dela que disse que estudar ninguém iria pra frente, o negócio era vender "Nóia", dá mais futuro, pode uma coisa dessas?

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  6. Um dos meus projetos é fazer um mestrado em administração para ensinar em faculdade. Fiz uma pós em Didática para o Ensino Superior, mas não me basta, gosto de fazer as coisas bem feitas. Fui aluna especial do mestrado em Educação, mas não é o que quero, prefiro mesmo em Adm.

    Infelizmente o mestrado profissional em Salvador tem um custo elevado, em torno 50 mil reais, e o acadêmico requer dois anos de dedicação exclusiva na UFBA, além de uma rigorosa e competitiva seleção. A minha prioridade são os meninos nesses próximos anos ainda e não posso me dar ao luxo de pensar só em mim.

    Fiz um estágio em sala de aula (numa faculdada particular) durante a pós e fiquei muito impressionada em ver como os estudantes se comportam. Total falta de respeito, inclusive soltam palavrões e se vestem como adolescentes. Aliás, um outro problema que percebo: comportamento adolescente em estudantes que beiram os 30 anos.

    Fui aluna da UFBA e nunca vi coisas como vi na oportunidade em que vivenciei o estágio. Fui aluna de mestres e doutores cuja presença inibia desrespeito. Claro que tinha excessões, mas de modo geral era assim. Mesmo aqueles menos qualificados eram tratados com educação e se impunham.

    Cheguei à conclusão que atualmente os alunos são clientes e as faculdades empresas. A relação é essa e pronto.

    Fico a pensar que a maioria vai sair com um diploma, mas profissionais de 5ª categoria, sem a menor chance de crescimento. O ensino foi sucateado.

    Sei, entretanto, que existem pessoas que diferem desse contexto. Já vi esse outro lado também. Ainda bem! São raros, mas existem.

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  7. A educação no país esta um caos, infelizmente.

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