quinta-feira, 29 de julho de 2010

Seu Adelmar

Meu pai era um homem que servia de referência na rua onde morava, não apenas pelo jeito durão, mas principalmente pelo fato de ser extremamente disposto a ajudar em casos complicados. Ele costumava dizer que ninguém ia encontrá-lo num bar bebendo, mas se alguém passasse mau à noite podia bater na porta que ele ia levar para um hospital, sem problema.

E assim ele realmente agia. Essa história que passo a relatar adiante nada tem de alegre, mas reflete os dois lados de Seu Adelmar que não deixava barato nada.

No início da década de 80 o filho adolescente de um vizinho nosso foi à praia da Pituba (em Salvador) com uns amigos, todos jovens, e morreu afogado. Impossível explicar como ficou a família. O pai desesperado sem saber o que fazer. O corpo foi arrastado para longe.

O pai do rapaz pediu a meu pai para ajudar, pois ele não tinha condição nenhuma de fazer isso. Estava arrasado. E meu pai passou os três dias seguintes indo de praia em praia. Ao final do terceiro ou quarto dia encontraram o corpo em Itapuã, se não me engano.

Meu pai ajudou a puxar de dentro d´água. Foi terrível. Ainda hoje lembro de como meu pai chegou em casa, transtornado. A família do rapaz em completo desespero. O pai do menino, sem condições de fazer o enterro, pediu dinheiro emprestado a meu pai que prontamente atendeu, mas frisou que era um empréstimo. E assim foi feito.

Passaram-se os meses e, sem mais nem menos, o pai do menino começou a se esquivar de passar pela frente do armazém de Seu Adelmar que ia ficando cada vez mais indignado com a situação.

Até que um dia bateram-se de frente, na rua. Meu pai então cobrou a dívida. O homem, chateado por ter sido cobrado respondeu:

- A senhor é um desgraçado! Como pode me cobrar uma dívida dessas???

Prontamente meu pai respondeu:

- Pois foram as mãos desse desgraçado que tiraram o corpo do seu filho em decomposição de dentro da água. Foram as mãos desse desgraçado que tiraram o dinheiro da carteira e lhe emprestaram para que SEU filho não fosse enterrado como indigente. E é esse desgraçado que lhe acha um verdadeiro canalha sem palavra.

O homem baixou a cabeça. A dívida? Nem sei se pagou. Mas nunca mais eu o vi conversando com meu pai...

Adilma

8 comentários:

  1. Tio Adelmar nao era nada mais nada menos que um filosofo. O ultimo video que fiz com o mesmo contando um pouco de sua vida sera eterno. Guardo com muito carinho. Ele deixou muita saudade.

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  2. Sobrinho/Afilhado e o preferido do Seu Adelmar29 de julho de 2010 às 16:30

    Estava há +- 1,5 hora trabalhando em uma planilha, resolvi dá uma olhadinda no SOPA.
    Não aguentei, sorte que estou sozinho na sala.
    Eh isso.

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  3. E essa eu não conhecia.
    Eh isso denovo.

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  4. Triste, mas emocionante relato.
    Adilma, sempre que puder conte outras histórias de nosso tio, aqui.
    Um grande abraço!

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  5. ADILMA,agora eu sei a quem eu puxei em muitos relado da vida do meu tio, poi eu sou assim, sempre estou disposta a ajudar os visinhos, porém se não honra com a palavra pode ter certeza que vou dar a resposta na hora certa.

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  6. É Simplesmente impossível não encher os olhos!!!

    Adilma assim vc acaba com os véios.

    Abraço.

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  7. Pois é. Meu pai, para quem o conheceu, era isso aí mesmo. Assim que possível voltarei a postar outras histórias.

    Ah... Sílvio... Minha intenção não é matar os véio... Rsrsrsrsrs

    Bj a todos!

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  8. Eu, que infelizmente não tive a oportunidade de conhecer meu avô Alberto, "adotei" meu querido Tio Adelmar como meu avô. Indescretível a saudade que ele causa a todos, e o orgulho que todos que o conheceram e viveram com ele de terem tido a oportunidade de dividir momentos e histórias como essa.

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